Beck – “Colors“
Desde o megassucesso de Loser, já no remoto ano
de 1994, que Beck se me afigurou como um artista independente, de uma pop
alternativa que gosta de se redescobrir a si próprio e reinventar canções.
de 1994, que Beck se me afigurou como um artista independente, de uma pop
alternativa que gosta de se redescobrir a si próprio e reinventar canções.
Após os aclamados Modern Guilt, de 2008, e
principalmente o seu sucessor Morning Phase, de 2014, vencedor de quatro
Grammys, entre os quais o de melhor álbum do ano, que a expetativa sobre o
próximo trabalho do artista californiano era alta. O lançamento do pr-single Dreams
em 2015, que figurou nas melhores músicas do ano para a Rolling Stone e
a Billboard, antevia um álbum pop divertido, cheio de boas energias.
principalmente o seu sucessor Morning Phase, de 2014, vencedor de quatro
Grammys, entre os quais o de melhor álbum do ano, que a expetativa sobre o
próximo trabalho do artista californiano era alta. O lançamento do pr-single Dreams
em 2015, que figurou nas melhores músicas do ano para a Rolling Stone e
a Billboard, antevia um álbum pop divertido, cheio de boas energias.
Quando ouvimos o trabalho na sua totalidade é
precisamente isso que ressalta ao nosso ouvido: um mix de pop ao mesmo tempo retro
e contemporâneo, como o próprio Beck o descreveu. Ritmos dançáveis, voz num
estilo de falsete folk, tão característicos do músico, capazes de
entreter qualquer pista de dança. Os ingredientes repetem-se em “Colors“, desta
vez, com a presença de flautas, samples de coros e ritmo entretido. Em Up
All Night, para alguns críticos a melhor música deste trabalho, Beck,
consegue uma das suas fórmulas de sucesso, a fusão entre pop, post folk,
funk e hip hop, que o tornam num artista tão original. A minha música preferida
é, sem dúvida, Dear life, onde a entrada de piano, se conjuga na perfeição
com a guitarra ritmada e um refrão simples, mas com significado, onde se
exprime a vida atual em que muitas vezes nos limitamos a sobreviver, em vez de
vivermos, onde estamos agarrados a pequenos estímulos mundanos que nos mantêm
vivos. Wow, um tema marcadamente hip hop, com sintetizadores e samples
de coros à mistura, fecha o quarteto de singles.
precisamente isso que ressalta ao nosso ouvido: um mix de pop ao mesmo tempo retro
e contemporâneo, como o próprio Beck o descreveu. Ritmos dançáveis, voz num
estilo de falsete folk, tão característicos do músico, capazes de
entreter qualquer pista de dança. Os ingredientes repetem-se em “Colors“, desta
vez, com a presença de flautas, samples de coros e ritmo entretido. Em Up
All Night, para alguns críticos a melhor música deste trabalho, Beck,
consegue uma das suas fórmulas de sucesso, a fusão entre pop, post folk,
funk e hip hop, que o tornam num artista tão original. A minha música preferida
é, sem dúvida, Dear life, onde a entrada de piano, se conjuga na perfeição
com a guitarra ritmada e um refrão simples, mas com significado, onde se
exprime a vida atual em que muitas vezes nos limitamos a sobreviver, em vez de
vivermos, onde estamos agarrados a pequenos estímulos mundanos que nos mantêm
vivos. Wow, um tema marcadamente hip hop, com sintetizadores e samples
de coros à mistura, fecha o quarteto de singles.
O restante álbum, apesar de bem construído, acaba por
não trazer nada de novo ao panorama musical atual e à carreira do artista de
LA, enquadrando-se naquilo que se faz na cena pop atual. Aqui,
Beck segue tendências ao invés de reinventar um estilo, algo que nos dias de
hoje é bem mais difícil do que nos anos 90, ou mesmo no início de 2000, quando
surgiu o introspetivo Sea Change. Gravado com um produtor de sucesso
neste universo: Greg Kurstin, que já produziu artistas como Adele, Kelly
Clarkson ou Sia, este é provavelmente o trabalho mais divertido e de ambiente
genuinamente mais pop de Beck, o que não o torna de todo num exercício
menor, deste talentoso e versátil músico, que a par de Greg Kurstin tocam
praticamente todos os instrumentos do álbum.
não trazer nada de novo ao panorama musical atual e à carreira do artista de
LA, enquadrando-se naquilo que se faz na cena pop atual. Aqui,
Beck segue tendências ao invés de reinventar um estilo, algo que nos dias de
hoje é bem mais difícil do que nos anos 90, ou mesmo no início de 2000, quando
surgiu o introspetivo Sea Change. Gravado com um produtor de sucesso
neste universo: Greg Kurstin, que já produziu artistas como Adele, Kelly
Clarkson ou Sia, este é provavelmente o trabalho mais divertido e de ambiente
genuinamente mais pop de Beck, o que não o torna de todo num exercício
menor, deste talentoso e versátil músico, que a par de Greg Kurstin tocam
praticamente todos os instrumentos do álbum.
Nas palavras de Beck, transportar a energia dos
concertos ao vivo para o estúdio foi um desafio alcançado, pois “Colors“ é, sem
dúvida, um álbum que podemos ouvir e que nos vai fazer garantidamente abanar o
ombro, seja numa fila de supermercado, seja no hedonismo de uma tarde no sofá
da sala.
concertos ao vivo para o estúdio foi um desafio alcançado, pois “Colors“ é, sem
dúvida, um álbum que podemos ouvir e que nos vai fazer garantidamente abanar o
ombro, seja numa fila de supermercado, seja no hedonismo de uma tarde no sofá
da sala.
“O Quadrado“ – Ruben Östlund
A quarta longa-metragem do sueco Ruben Östlund,
vencedor da Palma de Ouro para melhor filme e melhor realizador no último Festival de Cannes, consagra-o como um dos cineastas europeus de eleição, com
uma visão contemporânea e bastante crítica sobre a sociedade em que vivemos.
Desde 2008, com De ofrivilliga, onde um conjunto de histórias não relacionadas,
acabam por se encruzilhar, passando pelo tema do bullying, Play (2011) e
pelo drama de uma avalanche que se abate sobre uma família nos Alpes, em Força
Maior (2014), que Östlund nos vai mostrando através da sua lente cinema de
autor, arrojado e criativo.
vencedor da Palma de Ouro para melhor filme e melhor realizador no último Festival de Cannes, consagra-o como um dos cineastas europeus de eleição, com
uma visão contemporânea e bastante crítica sobre a sociedade em que vivemos.
Desde 2008, com De ofrivilliga, onde um conjunto de histórias não relacionadas,
acabam por se encruzilhar, passando pelo tema do bullying, Play (2011) e
pelo drama de uma avalanche que se abate sobre uma família nos Alpes, em Força
Maior (2014), que Östlund nos vai mostrando através da sua lente cinema de
autor, arrojado e criativo.
“O Quadrado” pode ser considerado uma aula de sociologia
contemporânea, tantos são os pontos que retrata na sociedade atual. Do
preconceito e estereótipo ao poder das redes sociais e dos media, passando
pelas desigualdades sociais e pelo individualismo humano, muitas das
características do mundo em que vivemos são retratadas nesta obra de Östlund.
contemporânea, tantos são os pontos que retrata na sociedade atual. Do
preconceito e estereótipo ao poder das redes sociais e dos media, passando
pelas desigualdades sociais e pelo individualismo humano, muitas das
características do mundo em que vivemos são retratadas nesta obra de Östlund.
O
grande mérito do filme está precisamente nesta panóplia de acontecimentos que
nos fazem refletir sobre a sociedade atual e nos põem a conversar sobre ele,
no fim da sessão. Nele ficam a nu questões e problemáticas transversais a toda
a humanidade, numa sociedade nórdica (o filme passa-se em Estocolmo), que, por
vezes, principalmente nós, os países de sul, achamos quase perfeita, mas que
realmente, na sua índole mais íntima, padece dos mesmos problemas e
desigualdades do resto da Europa. Este retrato é feito de forma exímia desde o
assalto inicial a Christian (Claes Bang), passando pela sua tentativa de
recuperação da carteira, telemóvel e botões de punho, num bairro problemático
de Estocolmo, com a ajuda do seu assistente, Michael (Christopher Læssø). Esta
trama culmina com a recuperação dos pertences de Christian, mas desencadeia uma
acusação injusta a um menino do prédio onde decorre a cena… (de notar a forma
original como Östlund filma cenas em escadas de
prédios, uma espécie de fetiche do realizador).
grande mérito do filme está precisamente nesta panóplia de acontecimentos que
nos fazem refletir sobre a sociedade atual e nos põem a conversar sobre ele,
no fim da sessão. Nele ficam a nu questões e problemáticas transversais a toda
a humanidade, numa sociedade nórdica (o filme passa-se em Estocolmo), que, por
vezes, principalmente nós, os países de sul, achamos quase perfeita, mas que
realmente, na sua índole mais íntima, padece dos mesmos problemas e
desigualdades do resto da Europa. Este retrato é feito de forma exímia desde o
assalto inicial a Christian (Claes Bang), passando pela sua tentativa de
recuperação da carteira, telemóvel e botões de punho, num bairro problemático
de Estocolmo, com a ajuda do seu assistente, Michael (Christopher Læssø). Esta
trama culmina com a recuperação dos pertences de Christian, mas desencadeia uma
acusação injusta a um menino do prédio onde decorre a cena… (de notar a forma
original como Östlund filma cenas em escadas de
prédios, uma espécie de fetiche do realizador).
Voltemos
um pouco atrás: Christian, o protagonista do filme é o curador de um museu em
Estocolmo. Divorciado, com duas filhas, é um bon vivant, cheio de estilo,
bem vestido e com poder pelo cargo que ocupa, ainda mais ligado à arte, espalha
charme por onde passa. Está responsável pela apresentação e divulgação de uma
obra de uma autora argentina, que dá o nome à película – “O Quadrado“. Mas que
quadrado é este? É a própria figura geométrica, mas com regras muito claras: “The Square is a sanctuary of trust and caring. Within
it we all share equal rights and obligations.”
um pouco atrás: Christian, o protagonista do filme é o curador de um museu em
Estocolmo. Divorciado, com duas filhas, é um bon vivant, cheio de estilo,
bem vestido e com poder pelo cargo que ocupa, ainda mais ligado à arte, espalha
charme por onde passa. Está responsável pela apresentação e divulgação de uma
obra de uma autora argentina, que dá o nome à película – “O Quadrado“. Mas que
quadrado é este? É a própria figura geométrica, mas com regras muito claras: “The Square is a sanctuary of trust and caring. Within
it we all share equal rights and obligations.”
Esta premissa de que naquele quadrado todos temos os
mesmos direitos e obrigações, serve de pano de fundo a todo o filme e contrasta
com a realidade, que nos mostra que essa igualdade humana, de espírito
coletivo e amor ao próximo, não existe, pois vivemos numa sociedade cada vez
mais individualista (cenas no metro e na rua em que Christian pede ajuda e
acaba por ser um sem-abrigo a fazê-lo, são elucidativas da mensagem do
realizador/argumentista).
mesmos direitos e obrigações, serve de pano de fundo a todo o filme e contrasta
com a realidade, que nos mostra que essa igualdade humana, de espírito
coletivo e amor ao próximo, não existe, pois vivemos numa sociedade cada vez
mais individualista (cenas no metro e na rua em que Christian pede ajuda e
acaba por ser um sem-abrigo a fazê-lo, são elucidativas da mensagem do
realizador/argumentista).
O filme é pautado por vários momentos de sátira, onde
os elementos cómicos e até de algum desconforto no espectador ganham força,
como são exemplos as cenas da conversa com um preservativo usado nas mãos entre
Christian e Anne (a sensual, ingénua, mas misteriosa, Elisabeth Moss) ou a cena
do espectador com síndrome de Tourette na apresentação da obra de um
artista, que solta palavrões de forma incontrolável e involuntária. A tensão
sobe na conferência de imprensa que Christian dá para se demitir, como curador
do museu, após uma campanha publicitária e de marketing, que, apesar de se ter
tornado viral, gera inúmeros protestos de todas índoles e esferas sociais, por
colocar um vídeo de uma menina loira a explodir quando está dentro do tal
quadrado. No último terço do filme acontece uma das cenas mais emblemáticas,
que, aliás, serve de trailer, onde Terry Notary (“Planeta dos Macacos” e
“Hobbit”), encarna um homem-macaco que destrói por completo um jantar de gala,
onde está a mais fina nata da sociedade de Estocolmo… Deixo à reflexão do
espectador as conclusões a retirar destes minutos desconcertantes.
os elementos cómicos e até de algum desconforto no espectador ganham força,
como são exemplos as cenas da conversa com um preservativo usado nas mãos entre
Christian e Anne (a sensual, ingénua, mas misteriosa, Elisabeth Moss) ou a cena
do espectador com síndrome de Tourette na apresentação da obra de um
artista, que solta palavrões de forma incontrolável e involuntária. A tensão
sobe na conferência de imprensa que Christian dá para se demitir, como curador
do museu, após uma campanha publicitária e de marketing, que, apesar de se ter
tornado viral, gera inúmeros protestos de todas índoles e esferas sociais, por
colocar um vídeo de uma menina loira a explodir quando está dentro do tal
quadrado. No último terço do filme acontece uma das cenas mais emblemáticas,
que, aliás, serve de trailer, onde Terry Notary (“Planeta dos Macacos” e
“Hobbit”), encarna um homem-macaco que destrói por completo um jantar de gala,
onde está a mais fina nata da sociedade de Estocolmo… Deixo à reflexão do
espectador as conclusões a retirar destes minutos desconcertantes.
A parte final
revela-nos um Christian na tentativa de redenção consigo próprio, procurando
desculpar-se da injustiça que provocou ao menino do bairro pobre, a quem acabou
por prejudicar com a carta colocada naquele prédio. Umas das cenas finais, de
elevada beleza estética e comovente, mostra Christian à chuva a vasculhar todos
os sacos do lixo do prédio em busca do contacto do menino, para lhe pedir
perdão pelo sucedido, será que ainda vai a tempo?
revela-nos um Christian na tentativa de redenção consigo próprio, procurando
desculpar-se da injustiça que provocou ao menino do bairro pobre, a quem acabou
por prejudicar com a carta colocada naquele prédio. Umas das cenas finais, de
elevada beleza estética e comovente, mostra Christian à chuva a vasculhar todos
os sacos do lixo do prédio em busca do contacto do menino, para lhe pedir
perdão pelo sucedido, será que ainda vai a tempo?
“O Quadrado” merece definitivamente uma ida ao cinema
(no Porto aconselho o cinema Trindade, reaberto este ano). Nele, Östlund, com o
seu olhar psicológico e social traz para a grande tela o estabelecimento de
dilemas ou quebras de contratos sociais e de como o ser humano reage aos
mesmos. Através de algumas situações ridículas e até absurdas, o filme traz ao
de cima, de um modo natural, toda a tensão e sentido cómico necessários a cada
momento.
(no Porto aconselho o cinema Trindade, reaberto este ano). Nele, Östlund, com o
seu olhar psicológico e social traz para a grande tela o estabelecimento de
dilemas ou quebras de contratos sociais e de como o ser humano reage aos
mesmos. Através de algumas situações ridículas e até absurdas, o filme traz ao
de cima, de um modo natural, toda a tensão e sentido cómico necessários a cada
momento.
Ricardo Dinis
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